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Coronel Fabriciano, 14 de dezembro de 2024

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Dom Salm: “3º Ano Vocacional não é uma campanha, mas evangelização com o espírito da iniciação a vida cristã”
06/01 Notícias da Igreja
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A Igreja do Brasil está vivendo seu terceiro Ano Vocacional. Em entrevista concedida ao padre Luiz Miguel Modino, assessor de comunicação do regional Norte 1 da CNBB, o bispo de Novo Hamburgo (RS) e presidente da Comissão para os Ministérios Ordenados e a Vida Consagrada da CNBB, dom João Francisco Salm, faz uma reflexão sobre o tema vocação e sua particular importância na vida de todos os batizados.

O 3º Ano Vocacional, de acordo com dom Salm, não é uma campanha para captar pessoas para os seminários e congregações religiosas, mas um tempo intenso de evangelização com o espírito da Iniciação a Vida Cristã (IVC), segundo a inspiração catecumenal que introduz a pessoa na relação com Deus, com a pessoa de Jesus e na comunidade que também é missionária.

Confira, a seguir, a íntegra da entrevista concedida ao padre Luiz Modino:

Por que um Ano Vocacional no Brasil?

Havia um desejo de se fazer um trabalho mais intenso no campo da Pastoral Vocacional, mas existiram também algumas coincidências, como, por exemplo, já faz 40 anos desde o 1º Ano Vocacional e 20 desde o 2º. Há uma necessidade de se fazer um bom trabalho vocacional dentro de uma visão de quem evangeliza realmente. Não é uma campanha, usando uma expressão popular, de catar gente para seminário e convento, mas uma evangelização que tivesse o espírito da Iniciação à Vida Cristã (IVC), segundo a inspiração catecumenal que introduz a pessoa na relação com Deus, com a pessoa de Jesus e na comunidade que também é missionária.

Quando se começou a trabalhar o Ano Vocacional, depois da aprovação pela CNBB, foram pedidas sugestões de comissões da CNBB e de outros grupos de Igreja, e veio muito desejo de um trabalho que levasse em conta o tempo que nós vivemos, o Concílio II, a Conferência de Aparecida, o magistério do Papa Francisco, a Igreja Sinodal, a Igreja em saída. É aquela compreensão de Igreja de um momento muito atual que precisaria ser trabalhada de um ponto de vista vocacional.

No Congresso Vocacional de 2019, em Aparecida, dom Walmor dizia uma frase que se tornou meio lapidar: sem consciência vocacional a Igreja não terá o vigor missionário que ela precisa ter. Num tempo em que se fala tanto da necessidade de uma Igreja missionária, de uma Igreja em saída, se não houver consciência vocacional não se tem vigor para isso. Consciência do que é a vocação, dessa relação com Deus, que toma a iniciativa, Ele responde, a gente se compromete com Ele numa resposta de amor a Deus, que a gente vai descobrindo que nos ama. E a partir daí fazer da vida uma ação generosa e gratuita em favor dos outros, em favor da vida. As motivações são muitas, mas estão ligadas a esse contexto para ter um Ano Vocacional.

O senhor insiste muito numa animação vocacional que contempla todas as vocações, falando de não buscar/catar gente para seminário e convento. Poderíamos dizer que no subconsciente da Igreja a vocação ainda é vista como esse “catar gente” para o seminário e o convento?

Sim, está muito, muito presente. Por isso esse é um ponto em que nós insistimos muito nas nossas reuniões de preparação do Ano Vocacional, que realmente abordássemos o tema vocação em seu sentido mais amplo possível, a vocação enquanto resposta a uma iniciativa de Deus. Eu gosto de lembrar isso para mim e digo que só o fato de a gente existir, mesmo sem ter consciência disso, a gente é uma resposta a uma iniciativa de Deus, que está antes de tudo.

É bonita aquela passagem de São Paulo que diz que desde antes do mundo ser criado e fundado, Deus nos escolheu para sermos santos. A iniciativa de Deus em nos criar e o fato de virmos à existência, já é uma resposta. Quando a gente toma consciência aos poucos, pela fé, de quem é Deus e do seu amor, a gente responde com amor. Essa iniciativa de Deus em busca de diálogo com o ser humano vai se completando e, na medida em que a gente responde a Ele amando, se traduz também em ações concretas, em dar a vida, em ir a campo, à luta, ser missionário, engajar-se nas várias atividades que se apresentam. Nisto se completa aquilo que é o diálogo vocacional.

Na verdade, vocação é uma tensão dialética entre Deus que toma a iniciativa e a gente que vai respondendo. Disse o Documento Final do Sínodo sobre a Juventude que é o entrelaçamento da iniciativa de Deus e da liberdade humana. Tem um teólogo oriental que diz que ter fé é saber ser amado e responder ao amor amando. Então vocação é descobrir-se chamado, amado, e ir respondendo também. No casal, quando um descobre que é amado pelo outro começa a responder também com amor, e aí se estabelece uma comunhão entre eles. É muito parecido na nossa relação com Deus.

Como isso vai se concretizando no processo vocacional e como pode ser aprofundado durante o Ano Vocacional?

Esse é um processo, uma catequese, uma evangelização que tem que ser feita. Quando nós dizíamos na preparação que nós queríamos abordar a vocação em um sentido amplo, não é para não falar das vocações específicas, muito pelo contrário, é para entender melhor a identidade de cada vocação. É muito mais interessante saber o que são as notas da escala musical sabendo da escala musical para poder entender o tom de cada nota do que simplesmente falar de cada uma. Essa vocação fundamental que é a resposta à existência, a resposta ao amor de Deus, vai se explicitando, vai se particularizando, se individualizando e se personalizando em cada pessoa.

Da minha parte começo entender que eu não sou único, existem outros que também respondem, cada um do seu jeito. O Papa dizia que toda a vida é vocação, a existência é vocação, cada um é único, não se repete, mas existem semelhanças. A gente fala das vocações leigas, tem muitas formas dos leigos responderem ao amor de Deus concretamente, na sua vida pessoal, na família, junto aos vizinhos, na comunidade, na sociedade, na política, sendo fermento, sal e luz.

Existe também a Vida Consagrada, com uma variedade tão grande de formas, mas fundamentalmente são pessoas que descobriram que o amor de Deus basta e passam a doar-se totalmente. Por isso, os votos não são restrição de algumas liberdades, direito de se autodeterminar, direito de possuir alguma coisa, direito de ter afetos humanos, é dizer que eu acredito tanto no amor de Deus por mim que eu abro mão de tudo e me faço inteiramente como doação para os outros. E os ministros ordenados, que devem ter esse espírito também.

Cada vocação, ela tem que ser valorizada, identificada, por cada pessoa. Eu só me entendo, me descubro na minha identidade diante de outras identidades. Quanto mais eu entendo das outras vocações, mais eu vou entender a minha. A identidade de cada vocação, ela fica mais clara quando a gente tem clareza da própria, quanto visibiliza as outras mais entende a própria vocação. É um trabalho a ser feito de começar de novo a entender que a vocação, ela não surge mais dentro de uma cristandade, um ambiente favorável em que se apresentam todas as coisas bonitas de cada vocação e aí vai surgindo. Se não houver na base cada vocação, encontro com Jesus, a coisa não acontece.

Bento XVI disse em Aparecida que tudo começa a partir da experiência de um encontro, que é um ato de fé diante de alguém que impacta à gente, e a partir daí as coisas começam a se deduzir. Se não houver essa experiência pessoal, tudo fica ligado a gostos, a fazer coisas que o padre faz, que a irmã faz, que se fazem no casamento. E a vocação é mais fundamental, bem antes disso, e vai dar um colorido a todas essas coisas que a gente começa a fazer em função daquela vocação específica que a gente abraça.

Nessa universalidade das vocações, nessa vocação vista a partir de um todo, poderíamos dizer que está nos conduzindo a uma Igreja sinodal. Como entender a vocação em vista da sinodalidade?

Não dá para ser cristão sem viver a comunhão, a unidade. A sinodalidade é comunhão, é união, a qualquer preço, e isso por um compromisso com Deus, uma disciplina. É uma espiritualidade, um modo de pensar, de ser, de agir, que não elimina o debate, uma dialética. Mas isso sempre num caminho que não promove divisão. Hoje temos muitas pessoas que discordam e até se apresentam com bastante eloquência e acabam convencendo, mas acabam dividindo, e aí tem um tentáculo de algo que não é bom.

As vocações precisam ser entendidas antes de tudo como uma relação pessoal com Deus, que se revelou em Jesus Cristo e tem a força do Espírito Santo, e que nos pede que vivamos juntos como Igreja, como povo, como assembleia daqueles que Deus convocou. Convocados por Deus todos participamos de uma mesma Igreja e aqui nós nos ajudamos, nós podemos até divergir no modo de pensar, mas enquanto vivência do Evangelho, exercício do amor, da fraternidade, isso deve estar acima de qualquer preço.

A sinodalidade ela é muito grande. Quando o Papa veio com a proposta desse tema do Sínodo surgiram muitas reflexões sobre isso. Ele foi iluminando muito bem o que ele entendia por isso. Exercício da escuta não é coisa simples, não é só ouvir para matar a curiosidade em relação ao que o outro pensa, é, muito mais, um exercício, como ele dizia, de ouvir tanto o outro a ponto, de ouvir o que Deus tem a dizer. Ou procurar ouvir a Deus com tanta sinceridade que realmente começa a compreender o que se passa com o outro.

É uma coisa grande, mas exige da gente humildade, fé, coragem, lucidez, uma espiritualidade saudável, verdadeira, uma abertura para o mundo, para a vida. Vocação numa Igreja sinodal é antes de tudo comunhão, não é para eu ter o meu lugar só, e eu ter os meus direitos, é uma doação dentro de uma comunidade de vida. Pode ser uma pequena comunidade a partir da família, comunidade religiosa, mas também comunidade de fé, de Igreja, junto com os irmãos e irmãs na fé.

O tema do Ano Vocacional é “Vocação, Graça e Missão”. Existe o perigo de ver a vocação como uma graça pessoal que recebemos de Deus e deixar de lado também um chamado a assumir uma missão na Igreja?

Em relação a tudo, também em relação às coisas da fé, existe sempre o risco de uma compreensão limitada, reducionista ou individualista das coisas, esse é um risco que todos corremos. Quando se diz que a vocação é graça, não dá para vê-la fora de algo que tem a ver com uma iniciativa de Deus para todos nós, tudo é graça, tudo é iniciativa de Deus em relação a nós, dele recebemos tudo. Chegar ao ponto de poder entender que é um dom, mas não é um dom porque eu sou um privilegiado, porque eu sou alguém colocado para ser alguém com méritos pessoais.

Quando se entende que é dom, que é graça, é para si, mas é para a Igreja também, para todos, como os carismas. Os carismas são um dom para a própria pessoa, mas são na pessoa um dom para os demais, tudo na pessoa é um dom para os demais. A gente não pode viver fechado sobre si mesmo. Essa auto referencialidade que o Papa fala não é a nossa identidade, não é da nossa natureza humana e cristã, dentro daquilo que é o projeto de Deus respeito à pessoa humana, somos a imagem e semelhança de Deus, que é comunidade, que um é para o outro, se fechar sobre si não dá.

Há um risco de achar que vocação é uma coisa que eu senti dentro de mim e pronto. Porque existe esse risco também, existe a necessidade do discernimento da vocação, tem que ter um acompanhamento vocacional, uma boa direção espiritual, a pessoa se instruir, a comunidade vai ajudando a pessoa a sentir-se confirmada naquilo, a Igreja, as pessoas que acompanham em nome da Igreja, dão seu parecer também. Mas o risco de se sentir alguém especial, um profeta, sempre existe. Quando mais vaidade humana, maior o risco. Tem que ser com muita oração, com retiros, com trabalho concreto de abrir-se aos outros, à necessidade dos outros, ir discernindo, é um caminho, um processo, descobrir realmente o que Deus quer da gente.

Em relação ao lema “Corações ardentes, pés a caminho”. O que quer ser transmitido com esse chamado?

O lema tem algo de especial quando se fala da vocação como encontro com Jesus. Esse “corações ardentes” aparece muito na experiência dos discípulos de Emaús. Os discípulos de Emaús diziam: “não ardia o nosso coração quando ele nos falava?” Essa experiência na oração, na fé, também com uma espiritualidade autêntica, leva ao encontro com Ele. E nesse encontro é que as pessoas começam a sentir dentro de si algo que estimula a se pôr a caminho. Ela parte em missão, para o trabalho junto aos outros e dá a vida pelos outros.

A partir disso que a pessoa vai tendo um outro olhar para superar aquilo que o Papa chama de indiferença. Quando a pessoa se torna mais sensível, a partir desse encontro com Jesus, a gente começa a ver com outros olhos, a gente se compadece mais facilmente. Como dizia São Paulo: “ai de mim se não evangelizar”. Eu estou vendo agora, eu preciso fazer alguma coisa.

O tema “Corações ardentes, pés a caminho”, mostra muito o dinamismo que há dentro da vocação. Vocação só é uma palavra, um conceito, mas vocação enquanto pessoa que está em diálogo com Deus tem um dinamismo muito grande, há uma dialética de algo que desperta um sonho, que faz perceber uma realidade, que se dá conta da iniciativa de Deus, da fé, mas ao mesmo tempo sente que há uma necessidade de responder a tudo isso, com suas limitações e qualidades. Esse lema é muito feliz, ele ajuda a tudo isso, e serve para todas as vocações, cada pessoa em sua realidade concreta, isso é importante.

O grande objetivo geral deste Ano Vocacional é promover uma cultura vocacional nas comunidades eclesiais. Como concretizar isso?

Cultura é uma palavra que nem sempre é tão popular, apesar de significar tudo o que é do povo, o que é da nossa vida, o modo de pensar, de ser, de agir, de se relacionar, como se vive na comunidade a fé, nas nossas catequeses, os movimentos, as pastorais, que haja ali um clima favorável a esse encontro com Deus, a essa compreensão de olhar o mundo ao redor, de responder aos desafios que existem, olhar o pobre, o necessitado, olhar esses ambientes de pessoas de onde sobe um clamor que Deus ouve e aqui Ele responde enviando pessoas que se sensibilizam e se põe a caminho.

Isso é muito bonito quando se começa a compreender que não é que Deus pega alguém pelo cangote, pelo colarinho, e puxa para cá e para lá. Deus nos predispõe com sua graça, uma predisposição que Ele cria dentro da gente. Se a gente começa a perceber que Deus nos fez capazes de amar, capazes de dar a vida, e Ele nos deu inteligência de verdade, age através desses dons que nos concedeu, para a gente poder usar a própria liberdade e a gente ir tomando iniciativas, dando respostas a partir da vontade da gente.

A vocação não é um fatalismo, não é uma coisa predeterminada, que está escrito nas estrelas, que é um escrito de teatro, porque o diálogo vocacional respeita sempre a liberdade humana. Essa compreensão de vocação assim vai ajudando a gente a sentir-se mais digno, mais corresponsável com Deus e colaboradores com Ele.

Ele opera nossa vida, mas nós também operamos a nossa parte. Ele sabe que tudo depende dele, mas Ele nos deu inteligência de verdade para se colocar à disposição. Jesus diz: “se tu queres, e a gente também tem que querer”. Essa temática vocacional é muito bonita, biblicamente, antropologicamente e de fé profunda. A mim me ajuda muito em minha vida pessoal compreender assim essas coisas, cada vez mais, pois a gente sabe tão pouco. Mas isso me ajuda demais quando começo a pensar esse lado da fé vivida assim, nessa relação com Deus, que me ajuda a ver o mundo ao meu redor e me dá forças de inspiração para me colocar a caminho.

O que o senhor espera que o Ano Vocacional aporte à Igreja do Brasil?

Eu espero que de fato essa compreensão bonita, grande, ampla de vocação e das vocações específicas, isso se torne cada vez mais claro para todos, na família, na comunidade, nas pastorais, nos movimentos, na catequese, em todos os espaços onde se formam e se forjam cristãos. Que isso se torne uma coisa cada vez mais clara, consciente de que a minha vida é uma resposta à uma iniciativa de Deus. Quanto mais se fizer essa explicação, e não só a explicação, pois o fato de entender não resolve ainda, seja feito dentro de um olhar mistagógico, que realmente leve ao encontro com Deus.

Que a pessoa faça seu ato de fé, e que nesse ato de fé ela consiga dar sua resposta generosa e uma forma concreta de amar, já que a vocação de todos nós é amar, um amor que se concretiza em cada vida particular, em cada pessoa. Quanto mais a pessoa vai amadurecendo e vai fazendo da sua vida uma oferta aos outros, mais ela consegue ser uma presença luminosa no meio dos outros, o fermento que Jesus nos pede. Nós vamos dar grandes passos em relação a isso, os tempos de hoje exigem isso para ter uma identidade cristã e católica, e acho que vamos dar muitos passos.

Tenho notado que há muitos grupos animados nas dioceses, nas paróquias, nas congregações. Houve uma acolhida muito grande dessa proposta do Ano Vocacional e o pessoal está correspondendo bastante. É um momento de graça realmente, os frutos só Deus sabe, mas eles vão aparecer.

Fonte: CNBB